Luiz Roberto Saldanha e a essência da cafeicultura moderna

Luiz Robert Saldanha Rodrigues é um dos melhores cafeicultores do mundo. Plantar café fora dos trópicos, especificamente ao sul do Trópico de Capricórnio, traz a oportunidade de um terroir cafeeiro único, mas também um grande conjunto de desafios para ser superados para aproveitá-lo. Luiz, Flavia e sua equipe na Fazenda California fazem isso por meio de coleta e análise de dados, rastreando tudo, desde a temperatura do solo até a proporção de área foliar/fruta, a implementação de novas tecnologias e inovações, como produzir sua própria microbiota local para construir naturalmente o sistema imunológico das plantas e melhorar a absorção de nutrientes.

E, talvez mais importante, é o que Luiz está fazendo fora de sua fazenda: transmitindo seu profundo conhecimento e experiência aos cafeicultores de todo o mundo.

Na sua opinião, o que difere o café produzido na sua fazenda dos das demais?

 Acredito que o diferencial que a fazenda tem seria esse envolvimento que tanto eu quanto minha esposa temos em tentar fazer o melhor que a gente pode com os recurso que a gente tem, em todas as etapas do processo, com uma visão sistêmica e transversal de que todas as etapas são muito importantes.

 Temos envolvimento em cada etapa do processo, com muitos detalhes, mas buscamos sempre muito a aplicação de conhecimento científico, de estudo, muita informação de qualidade e aplicando-as em cada uma das etapas do processo.

 Acredito que muitas fazendas tenham a paixão que nós temos mas a nossa história, com tantas dificuldades superadas, seja o diferencial. A gente sempre tenta colocar um pouco a mais no quesito paixão, dedicação e comprometimento.

 

Você implementou a fermentação e outras técnicas pós-colheita.  O que isso agregou para a qualidade do seu café?

 Tenho estudado técnicas de colheita e pós-colheita desde 2007/2008. Viajei para alguns países produtores – Guatemala, Honduras, Costa Rica, El Salvador Panamá e Colômbia - e  tive também uma excelente experiência e excelente aquisição de conhecimentos com programas de processo do CQI (Coffee Quality Institute).

 

De maneira geral,  essa base teórica foi bastante necessária para a validação de técnicas de colheita e pós-colheita para a nossa realidade, que  traz desenvolvimento de perfis sensoriais diferenciados, traz um pouco mais de consistência, além de alguns caminhos a serem seguidos e a valorização desse produto, levando ao acesso a mercados diferentes.

 

A gente não tem um tipo só de produto ou um tipo só de perfil sensorial rotulando uma região mas entender as peculiaridades da região,- no nosso caso o  clima subtropical, com estações diferentes, com condições de temperatura, umidade e insolação bastante distintas.  Isso, combinado a variedades que a gente trabalha e mais as técnicas de processamento, possibilita o desenvolvimento de perfis sensoriais de  produtos diferentes que podem ser oferecidos para clientes e mercados distintos.

 

 Ainda existe muito para que a gente possa evoluir e o meu sonho é que a gente possa, algum dia, alcançar um planejamento de pós-colheita que seja mais semelhante a indústria do vinho em que, sabendo as condições climáticas e as variedades e os cliente que a gente tem que atender, possamos realmente escolher com muito mais assertividade os tipos de métodos de processamento a serem aplicados. Estamos começando com isso, mas estamos ainda engatinhando na nesse quesito.

 

Você está criando sua própria microbiota. Como tem sido essa experiência? Já sente melhora na saúde e produtividade das plantas?

Há três anos, temos estudado e começamos a aplicar microrganismos no nosso ciclo de produção. Temos uma pequena biofábrica, uma produção on-farm de microrganismos – basicamente de bactérias e de alguns fungos com diferentes propósitos: alguns para vigor, outros para enraizamento, alguns para manejo integrado de pragas e doenças - que a gente multiplica e que têm sido utilizados na produção.

Eu diria que a utilização de produtos biológicos traz maior vigor para as plantas e já foi cientificamente provado que aumenta o sistema de defesa da planta, fazendo com que as plantas sejam muito mais resilientes.  Essas dificuldades que a gente tem de instabilidade climática -  ora chove muito, ora chove pouco,  ora tem muita insolação, ora  pouca insolação, vento, pragas e doenças -, se a gente tiver uma planta que está mais vigorosa que está com o sistema imunológico melhor balanceado, vai ser uma planta que vai responder melhor a todo esse estresse ambiental.

Uma outra característica seria a utilização muito mais racional de defensivos agrícolas – então, com os produtos biológicos, a gente começa a reduzir a utilização de defensivos agrícolas, temos plantas mais vigorosas, com mais enraizamento, com a área foliar mais protegida. Assim, as plantas vão acabar sintetizando mais compostos para enchimento dos frutos e isso é mais matéria-prima para ser utilizada durante o processamento, criando mais riqueza e complexidade para o produto final.

 

Sua produção está localizada abaixo do trópico de Capricórnio, uma área não tradicional para plantio do café. Como adaptou-se para poder produzir nessa região?

Entendendo a condição climática e de solo do Estado: solos muito férteis, com potencial de produção muito bom;  quatro estações bem definidas e que cada uma delas precisa ser manejada de uma maneira;  janela de colheita de cereja muito curta; desafio muito grande para processamento e secagem.  Então, nós customizamos um sistema de produção todo adaptado à nossa região, com sistema de podas programadas – o café produz um ano e, no outro, ele é podado.  Há uma equipe treinada para fazer a condução dessas plantas, a  escolha dos ramos e a gente maneja o cafezal como se fosse um vinhedo.  Cada planta recebe de 4 ou 5 passadas por ano por  um grupo de  mulheres treinadas tanto para fazer essa poda quanto para fazer a coleta seletiva para produção de microlotes. Depois de colheita -  tanto uma coleta seletiva mecanizada, quanto uma coleta seletiva manual -  tem todas as técnicas de processamento, de fermentação, de secagem.

Então, a adaptação à região deu-se,  primeiramente, entendendo como as coisas aqui aconteciam, fazendo um benchmarking de como era a qualidade do café para o mundo, visitando regiões produtoras, conversando com clientes e compradores,  aprendendo a provar para que a gente tivesse nessa elite e soubesse falar a mesma língua dela, participando de campeonatos de baristas e de qualidade para que a gente entendesse realmente como é que as coisas funcionavam e aí adaptar a implementar o sistema aqui.  Foi tudo customizado para uma região que ia bastante diferente das outras,  que tem o paradigma da baixa altitude (650  a 700 metros).  Mas somos uma fazenda que já tem no currículo dois títulos de Cup of Excellence (2010 e 2015) com essa altitude bastante modesta e aplicação de técnicas que descrevi.

Quais os principais desafios que a cafeicultura brasileira ainda precisa transpor?

Acredito que a cafeicultura brasileira seja um case de sucesso: é uma cafeicultura que cresce, que remunera, que distribui renda. Toda a rede de colaboradores e fornecedores é bem remunerada se compararmos ela aos nossos concorrentes mundo afora. Além disso, os níveis e as exigências sociais e ambientais que cafeicultura brasileira segue são referências para qualquer outro lugar do mundo. No entanto, nossa cafeicultura se comunica muito mal e a gente ainda carrega uma dificuldade de posicionamento do Brasil como líder. Temos dificuldade de comunicação sobre o que é o Brasil, de quanto e como produz, quanto e como preserva, como respeita as pessoas e a qualidade do nosso produto. Acho que essa comunicação seja um grande desafio que a gente precise transpor.

Joel Shuler